quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Traduzindo ...

Mais didatico impossivel ...


ALICE RUIZ



1) Se
por
acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...


*cotidiano

2)
ainda me viro
e me vejo
pronta a te chamar
a te contar
que aprendi hoje
coisas que você soube



*vigesimo oitavo dia


3)
a gente é só amigo
e de repente
eu bem que podia
ser essa mosca
perto do teu umbigo


*auto-engano


4)
Vou tirar do dicionário a palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário e no seu lugar
Vou colocar outro absurdo
Vou tirar suas impressões digitais
Da minha pele
O seu cheiro dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos nãos
Se faz um sim


*desejo


5) já que você foi embora por que não desaparece?



*tudo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

TCC

Ah voltei a ler como bíblia. "Grande Sertão: Veredas".


"Diadorim pôs muito os olhos em mim, vi que com um espanto reprovador, não me achasse capaz de estipular tanta maldade sem escrúpulo. Mau não sou. Cobra? _ele disse? Nem cobra serpente maligna não é. Nasci devagar. Sou muito cauteloso.[...]

Mais em paz, comigo mais, Diadorim foi me desenfluindo. Ao que eu ainda não tinha prazo para entender o uso, que eu desconfiava de minha boca e da água e do copo, e que não sei em que mundo-de-lua eu entrava nas minhas idéias. [...]

[...] Digo ao senhor: nem em Diadorim mesmo eu não firmava, o pensar. Naqueles dias, então, eu não gostava dele? Em pardo. Gostava e não gostava. Sei, sei que, no meu, eu gostava, permanecente. Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor.
Antes o que me atazanava, a mór _ disso crio razoável lembrança _ era o significado que eu não achava lá, no meio onde eu estava obrigado, naquele grau de gente. Mesmo repensando as palavras de Diadorim, eu apurava ó este resto: que tudo era falso viver, deslealdades. Traição? Traição minha, fosse no que fosse. Quase tudo o que a gente faz ou deixa de fazer, não é, no fim, traição? Há-de-o, a alguém, a alguma coisa. E eu não tardei no meu querer: lá eu não podia mais ficar. Donde eu tinha vindo para ali, e por que causa, e, sem paga de prêço, me sujeitava àquilo? Eu ia-me embora. Tinha de ir embora. Estava arriscando a minha vida, estragando a minha mocidade. Sem rumo. Só Diadorim. Quem era pra mim Diadorim? Não era, aquela ocasião. Pelo próprio dito de estar perto dele, de conversar e mais ver. Mas era por não aguentar o ser: se de repente tivesse de ficar separado dele, pelo nunca mais. [...]"

Guimarães Rosa, pg.180-181.



Não fale do que você nem tem como saber.
Tem correspondência que só chega quando chega ... quando dá pra chegar.