quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Tubo caótico.


Um dia parei para observar a mulher lá de casa, seu nome era Alzira, esteve comigo desde meu parto. Acho que era a mulher mais admirável que já conheci. Completamente fascinada com novelas, era sim um almanaque sobre esse assunto. Certo dia confessou-me seu sonho de atriz, e disse ainda que foi atrás do seu sonho, e conseguiu um papel em um remake de "Ninjas, os justiceiros mascarados" (uma série de muito sucesso na parte Asiática da California, no começo dos anos 70), porém logo desistiu.


Alzira dizia para todos:


_ Ah credo em cruz, aquilo lá é infestado dos demoin, eles querem tirar a gente dos rumo certo de Deus! Vê bem se tem cabimento, na hora exatinha d´eu sair, sabe a endemoniada da novela das 7, a Anastácia de Albuquerque e Silva? Pois é, tava de assanhamento com o Luíz Otávio da novela das 6. Peguei os dois ali, com a mão na cumbuca, se vc me entende, ai num gosto nem de falar essas coisas pra você viu piá, mas vc acredita que eles ainda vieram de conversinha que eram só personagens e um lero- lero, nunca vi. Ô raça pra inventar desculpa pro vuco-vuco deles, esse mundo quando engole a gente num dá mesmo pra saber certo e errado, só dá pra assistir. E eu meu filho graças a Deus sou mulher esclarecida, pra saber que viver de assistidora é coisa pra gente atoa, eu tenho demais o que fazer na vida, e a principal delas mesmo é viver. O sol da janela não me incomoda a ponto de fechar as cortinas".


Vê? Alzira era mais.





Laís Castro

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Desesperado

   "Socorro, alguma alma, mesmo 
que penada,
Me empreste suas penas
Ja nao sinto amor
nem dor,
Ja nao sinto nada
Socorro, alguem me de um

coracao,
Que esse ja nao bate nem apanha
Por favor, uma emocao pequena,

Qualquer coisa
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos, deve ter
algum que sirva"
Arnaldo Antunes



Suor escorrendo a testa, os lençóis enxarcados, uma dor alucinante, estomago. Todo o aparelho digestivo concentrado na garganta, nem o grito mais saia, nem voz, nem sopro, nem vento, nem ar. Batia a cabeça com força,força,força e nada, a dor não passava, sua garganta mais e mais se fechava, bateu a mão na parede e foi levado ao hospital. O médico era feito de escamas, uma lama fedorenta deixava suas mãos geladas e macias, nem mesmo o vômito saiu de sua garganta, o médico abriu-lhe a boca, as entranhas estavam arrumadas em nó. Fechando tudo, não se tinha o que fazer ... morte certa. O médico só poderia alivia-lo. Bisturi na mão abriu-lhe o peito, uma imensa bola negra saltou, avançou, como se quisesse decepar o doutor. O fétido médico apertou os olhos lazarentos, desafiou a escuridão, puxou-a de dentro do peito do paciente, fez um corte preciso e tirou de dentro da sombras um coração. De tanta marca negra o coração era pequeno e fraco, sobrou em volta um espaço, um vazio, um buraco, um nada, espaço inválido. O paciente saiu curado, sem dor, sem voz, sem sopro, sem ar, apenas com o buraco vazio e inválido, saiu pálido, saiu assim como eu agora estou diante de um olhar qualquer.





Laís Castro

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Nota de Jornal


Dona Carmen,73, juntou durante 63 anos retalhos que lembrassem cada pessoa que que algum dia ela considerou. Retalhos negros, floridos, alguns grandes outros tão pequenos que nem deveriam se chamar retalhos. Foram precisos mais de 6 baús para tudo aconchegar. A senhora nos explicou que alguns deles foram doações de pessoas carentes, que tinham demais e ninguém para receber. Vó Carmen, como gosta de ser chamada parou de receber retalhos e há 5 anos costura tudo. O objetivo é construir um balão, o motivo? Ela explica:




"Filho, esta foi a única forma de garantir que todos chegassem comigo ao céu"



Conclusão cítrica do autor
:
Há 63 anos atrás existiam mais pessoas dispostas a serem anjos.



Laís Castro