sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Uma ópera só de caos

Você lembra?
Tava tão escuro
Muita fumaça
Aquele último drink que eu não devia ter tomado.

Cê foi saindo, porque tinha que ir. Fechou.
E na finitude daquela noite eu te gritei tão alto
E foi bem quando a música parou, cê lembra?
O mundo inteiro olhou

E por todo o tempo eu te gritei
Na despedida eu te uviei
Por toda aquela uma vida eu te berrei

Fiquei tão rouca
e justo no meu último lamento, cê veja bem: te soou como sussurro
Nessa voz que nem me resta
O seu ouvido de maestro
 vem me dizer
que meu amor te bateu sustenido


Mudei.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Bicleta que não tem rodinhas.

Escrever textos sobre “amadurecer” é tão clichê. Aliás, a gente fica meio trouxa. Para pra pensar, fica existencialista. De uma hora para outra o “ser ou não ser” bate na porta, pede um café. Porque a essa altura da vida a gente já toma café, e não se importa nem em pedir para servi-lo no estilo Irish antes de despejar socos na sua cara. Porque caro leitor, acredite, na vida pouca coisa vem com anestesia e quase nada que é real é gourmet.
No interior os clichês são mais simpáticos. Tem um charme de fita no cabelo, broa de fubá e vestido de chita miúda. Lá no sertão se diz da moça indecisa:“Não sabe se casa ou compra uma bicicleta”...
Essa frase costumava servir quando na casa da vó eu não sabia se comia carne ou frango. Se eu brincava até tarde e perdia a manhã dormindo, ou se dormia cedo para aproveitar o dia inteiro com os primos que eu via com dias marcados. Então, eu não entendia. Eu queria mais domingo, mais almoço, mais pé de manga. Pouco me importava bicicleta quanto mais o casamento: meninos, ugh! E não falo isso com saudosismo da simplicidade, cada movimento na queimada eram escolhas de Sofia.
Aí eu fiz faculdade, e não sabia se queria cinema ou direito. Se casava ou comprava a bicicleta, e a essa altura eu tinha preguiça da bicicleta. Quem tem fôlego pra bicicleta quando se traga o primeiro cigarro? Quem prefere ir embora sozinho que no fiat UNO do amigo com mais 8 pessoas cantando trechos desencontrados de Evidências? Nunca fui a garota de sentar no cano de uma bike guiada por outra pessoa. E o casamento? Amigues, não dá pra pensar em amor em um UNO bêbados de qualquer coisa, se aquilo ali não era amor. Também não era pra mim.

Até que eu me apaixonei. Muito. O dilema foi pra outro ditado: “quando casar sara”. Sarava tudo. Tudo era de passar. As mãos, a língua, os dramas, as armas, as piadas, as brigas, as amigas, os amigos, o fiat uno, o cigarro. Eu amava e era amada. Se aquilo não me sarasse, eu não me atreveria andar de bicicleta, cair também machuca tanto.

Acabou amor, casamento, bicicleta, UNO, ficou o cigarro. Veio um café. Outras línguas, outras mãos, outros carros, outros quilos, outras mágoas e menos amigos. Eu cresci e sem comprar nada o tempo se apresentou como um senhor de asas que me levava pra lá da bicleta. E nada, eu afirmo com a arrogancia que a juventude me permite, nada é mais sedutor que o tempo.
Ele te promete a cura, sonhos, desejos, objetivos. 

Esse senhor é um cafajeste, porque ele não te ama de volta mas te faz única a cada momento.

Eu quero a bicicleta, para ir. Mas ela custa uma riqueza que o tempo não me deu. Mas o tempo me deu astúcia para planejar quantas pedaladas eu tenho que dar até um casamento. Para casar eu preciso me comprometer, comprar a ideia de dividir o guidão de uma só bicicleta, que não se compra, acha. E eu agora não sei se bicicleto ou compro um casamento

E aí sou mulher. A mulher do tempo. Já disse aqui uma vez que nada é mais auto didata que a solidão. E ela é uma senhora, de vestido de chita miúda que te pergunta na madrugada: Você casa ou compra uma bicicleta?